12 Anos de Escravidão chega aos cinemas aproximadamente 126 após a abolição da
escravatura no Brasil, que ocorreu com a Lei Áurea de 1888. Os Estados Unidos
acabaram com a escravidão algumas décadas antes, em 1863, mas em um processo
bem mais conflituoso, que gerou uma guerra que dividiu o país. 1863 e 1888...
faz tanto tempo que era de se esperar que o racismo não fosse um problema ainda
tão presente em nossa sociedade. É claro que melhorou, como mostra a eleição de
um afrodescendente para o posto de presidente dos EUA, mas situações como a do
jogador de futebol Tinga, que ouviu a torcida peruana imitando macacos toda vez
que tocava na bola em um jogo pela Libertadores 2014, ou do negro agredido,
despido e acorrentado em um poste no Rio de Janeiro, mostram porque
trata-se de um filme muito atual. E que merece ser assistido.
Solomon Northup (Chiwetel
Ejiofor) é um negro liberto que vive com a família
no norte dos EUA. Ele é um músico respeitado e vive normalmente. Determinado
dia, é trapaceado por parceiros de trabalho e levado ao sul, onde é vendido
como escravo. A partir daí, temos uma sucessão de cenas duras e de momentos de
virar o estômago, que lembram até A Paixão de Cristo, mas
sem o sadismo de Mel Gibson. Após
realizar o brilhante Shame, Steve McQueen investe em um épico histórico e volta a se sair bem. Ele
deixa de lado a fotografia sóbria e cinzenta, que representavam o espírito do
personagem de Michael
Fassbender, para investir em tomadas mais quentes,
fruto do clima no sul dos Estados Unidos e também da situação de desespero do
protagonista.
Parceiro
de longa data do diretor, Sean Bobbitt realiza mais um grande trabalho na
fotografia. É angustiante a forma como investe em planos detalhes, aproximando
a câmera de objetos e partes do corpo dos personagens. Ao mesmo tempo em que a
técnica prende a atenção em um momento em que as mãos de Solomon tocam um
violino, causa impacto ao retratar as chibatadas recebidas pelo mesmo. Em alguns momentos, o longa cai
em estereótipos ao retratar o homem branco do norte como progressivo e
atencioso e o do sul como a caricatura do diabo, mas mesmo isso é solucionado
com a presença de personagens mais complexos, como o de Benedict Cumberbatch, um senhor de escravos mais acolhedor e menos repressor. Sua
presença, no entanto, acaba sendo bastante questionadora. Sim, ele não possui
prazer em torturar seus escravos e até demonstra um pouco de carinho com
Solomon, mas não deixa de tratá-lo como mercadoria. Neste sentido, o racismo
vindo por parte do personagem de Cumberbatch é daquele que vemos ainda nos dias
de hoje em frases como: "Eu não sou racista, tenho amigos negros."
Após
passar pelas mãos de mestre Ford (Cumberbatch), Solomon vai parar nas terras de
Edwin Epps (Fassbender), um senhor brutal que trata seus escravos com mãos de
ferro. O ator entrega uma atuação impressionante, exalando ódio e revolta. Ele,
no entanto, consegue fugir da caricatura ao apresentar uma relação de possessão
e desejo com a escrava Patsey (Lupita Nyong'o). Ao mesmo tempo em que acorda os escravos para dançar para
ele no meio da noite, Fassbender demonstra possuir um sentimento verdadeiro
(ainda que doentio) diante da jovem escrava.
12 Years a Slave (no original) tem toda sua força no fato de não ser
panfletário. Neste sentido, é um grande contraponto aos recentes (e medíocres) O Mordomo da Casa Branca e Histórias Cruzadas. A
história (no sentido amplo da palavra) já é dura o bastante e não precisa de
reforços melodramáticos. Ao invés de muitos closes e frases de efeito, o
diretor opta por cenas cruas e tensas. Isso é mostrado de forma clara nas duas
cenas de sexo da produção. Em uma delas, na verdade, vemos o estupro de uma
escrava por seu mestre, que reforça de forma clara a ideia de propriedade e de
últimas consequências. A outra é entre dois escravos e é uma das sequências
mais duras do longa. Não há desejo, há a busca por uma válvula de escape, para
em seguida se entregar ao desespero.
O
filme é a síntese clara daquela clássica máxima-clichê de que "uma imagem
vale mais do que mil palavras". Ao nos depararmos com um escravo
praticamente enforcado numa árvore, sobrevivendo apenas arrastando os pés na
lama, é algo que impacta mais do que todas as frases de efeito de produções
parecidas. Na cena em questão, fica evidente ainda todo o trabalho de design de
som. Tudo o que ouvimos é a respiração abafada pela corda e os pés raspando de
forma superficial o chão, além do próprio ranger da corda na árvore. Trata-se
de uma sequência antológica que vai deixar muita gente com a respiração presa
(trocadilhos à parte). A forma como o mundo acontece normalmente em torno
daquele escravo em situação deplorável é tão impactante quanto a própria
violência. Sem
transparecer isso a cada quadro, McQueen acaba fazendo um filme mais político
do que o próprio Lincoln. Ele pode não ter
tido a companhia de um Daniel
Day-Lewis, mas contou com a ajuda de nomes importantes como Paul Dano, Paul Giamatti, Michael K. Williams, Alfre Woodard, Sarah Paulson e Brad Pitt. Mas a
força do elenco está mesmo no trio formado por Ejiofor, Nyong'o e
Fassbender.
Baseado
em livro do próprio Solomon Northup, 12 Anos de Escravidão não é um filme fácil. Mas definitivamente, vale o
desafio.
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