segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Crítica: Philomena


Filmes baseados em fatos reais, quase sempre, vêm acompanhados de um peso, que se acentua quando a obra é um drama. Este é o caso de Philomena, mas ciente do que tinha nas mãos, o cineasta Stephen Frears (sabiamente) procurou não optar pelo caminho lacrimoso e levou o espectador por um interessante percurso, junto com a protagonista. Na Irlanda dos anos 1950, uma jovem engravida após uma transa e acaba enviada, pelo próprio pai, para um convento. Lá, as freiras costumavam cuidar da criança, em troca do trabalho da mãe e de uma compulsória "concordância" em oferecê-las para adoção. O tempo passou, o menino estaria completando 50 anos e Philomena (Judi Dench) resolve reencontrá-lo. Ela conta a história para um jornalista famoso (Steve Coogan), também às voltas com questões pessoais, e ele vende a ideia da matéria para uma editora. Embora existisse uma certa dúvida se embarcava no projeto por "interesse humano", o conteúdo da investigação, aos poucos, vai se revelando para ele, ateu convicto, uma intensa jornada de descobertas, envolvendo, sobretudo, a religião. 

Coogan também fez o roteiro ao lado de Jef Pope, profissional com experiência em produções para a TV, e o resultado é uma obra redondinha. Tendo como inspiração o livro do jornalista Martin Sixsmith ("The Lost Child of Philomena Lee"), o tal jornalista interpretado por ele leva você por caminhos tortuosos, e no seio da igreja, envolvendo um cruel (e incrível) esquema de "exportação" (de milhares) de crianças para os Estados Unidos. Flertando com os chamados road movies, desloca-se de Londres para Irlanda e Estados Unidos, sempre contrapondo a fé inabalável de uma mulher, que não enxerga maldade na ação das freiras, ao tom ácido das críticas dele. E é esse humor que faz a diferença, atenuando o peso sem deixar que se perca a carga dramática. Assim, será fácil o público se render ao riso em muitos momentos, diante da ingenuidade da protagonista ou da ironia do parceiro dela. 


Entre as curiosidades, um merchandising agressivo da cerveja Guiness (irlandesa) e uma pertinente citação do poeta inglês T. S. Elliot sobre a busca. Passando de maneira superficial e elegante pela questão da homossexualidade, a produção tem sequências lindas, como aquela em que os dois (mãe e filho) "se olham": ela para a tela e ele para a câmera, que o filma. Quanto ao elenco, a química da dupla é indiscutível e tem como aliada a bela trilha sonora do premiado Alexandre Desplat, indicada ao Oscar 2014, ao lado de mais três indicações: Melhor Filme, Melhor Atriz e Melhor Roteiro Adaptado. No Festival de Veneza 2013 foram nove prêmios, mas se sairá ganhando na festa americana, só o tempo dirá. Até porque Philomena é uma caixa de surpresas, para sua personagem principal e para aqueles que desconhecem (ou não querem enxergar, como ela mesma) o que certos dogmas religiosos, em relação ao sexo e o desejo, podem causar.

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