Filho
de um crooner e de uma corista que se apresentavam em cassinos, teve como
padrinho de batismo o ator Grande Otelo, tendo crescido já no meio
artístico. Dois anos após seu nascimento, um decreto do presidente Eurico
Gaspar Dutra fechou os cassinos, perdendo assim a sua família seu
principal meio de sobreviver.Começou cedo sua carreira de ator. Aos seis anos,
fez uma participação em uma radionovela da Record. Depois atuou no teatro
estudantil e teve sua primeira oportunidade profissional por volta dos 20 anos
de idade, ao ser aprovado para integrar o elenco da peça Reportagem de Um
Tempo Mau, em 1965, que teve apenas uma apresentação no Teatro de
Arena, tendo sido proibida pela Censura Federal. Ingressou na TV fazendo
figuração na Tupi. Participou do seriado Alô, Doçura, em 1953,
da novela Beto Rockfeller, em 1968, e ainda fez uma participação de
três capítulos na novela Super Plá, em 1969. Depois fez uma passagem
pela TV Cultura, onde trabalhou em um teleteatro, encenando Yerma.
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Eu Prometo |
Quando
o ator Ney Latorraca foi convidado a fazer uma participação especial na novela Vamp (1991),
de Antonio Calmon, para viver o vampiro Vlad, pensou em recusar. Ele estava em
cartaz com a peça O Mistério de Irma Vap, em São Paulo, e não queria
acumular trabalho. Sentia-se cansado. Como seriam apenas nove capítulos, Ney Latorraca resolveu aceitar. Para a nossa
alegria. “No primeiro dia em que eu mordi a personagem de Claudia Ohana, em vez
de dizer ‘gostoso’, eu disse ‘gotoso’. Quando falei esse ‘gotoso’, percebi:
dancei. Toda a novela ficou em cima dos vampiros, virou uma loucura. Fiquei até
o final, e Vlad fez um baita sucesso. Passei nove meses com aquele dente, com
aquela capa, voando”, conta.
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Anarquistas, Graças a Deus |
Tem sido assim a carreira de Ney Latorraca, um sucesso atrás do outro. Se por
um lado, sua vaidade o leva sempre ao superlativo, por outro a verdade é que o
grande público adora o ator. E se encanta com seus personagens, que sempre
crescem com uma atuação única, cheia de detalhes, construída milimetricamente
por ele, do jeito de falar ao tipo de passo, do figurino ao penteado. Foi assim, por exemplo, logo na primeira novela de Ney Latorraca na Globo, Escalada,
de Lauro César Muniz, exibida ainda em preto e branco, em 1975. Felipe, seu
personagem, era mudo. “Ele só balançava a cabeça. E o que aconteceu? Um mês
depois que a novela estreou, o personagem fazia tanto sucesso que todo mundo
queria saber quem era aquela pessoa jogada pelos cantos, muda. Eu nunca
apresentei aquele padrão imposto de galã, que precisava ter uma virilidade
explícita. Pelo contrário. Mas Felipe fez sucesso, principalmente com o público
feminino. Na época, havia um concurso em nível nacional para eleger o rei da
televisão. Em seis semanas, eu já estava concorrendo com Tarcísio Meira e Roberto
Carlos”, relembra.
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Tv Pirata |
Histórias
como essa se repetem na carreira do ator. O que falar, por exemplo, de Barbosa,
o velhinho beiçudo de TV
Pirata? “Era um velho tarado, de cabeça branca, com um pouco de bico. Mas
eu comecei a aumentar o bico, tanto que, meses depois, só dava Barbosa e todo
mundo imitava. Foi um baita sucesso. Até hoje me pedem na rua para fazer o
Barbosa”, ilustra. Bem
antes disso, o Mederiques, da novela Estúpido
Cupido (1976), de Mário Prata, também emplacou. “Eu estava com 33 anos
e interpretava um cara de 17. Queria abandonar, não ia mais fazer. Primeiro me
botaram de peruca, todo maquiado. Quando me vi caracterizado como o personagem,
falei: ‘Estou parecendo um macaco’. Falei que ficava com uma condição: ‘Quero
escolher meu figurino’. Me vesti todo de preto, sem maquiagem alguma, e pedi
uma lambreta preta. Batizei-a de Brigite. Comecei a falar coisas assim: ‘Vamos
lá, rapazes, não temos tempo a perder”. E para dizer que eu era jovem, andava
com um gingado característico. Virou um grande sucesso, estourou mesmo. Fizeram
história em quadrinhos, chiclete, figurinha – e eu era uma das figurinhas mais
difíceis”, detalha.
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Um Sonho a Mais |
Antônio Ney Latorraca nasceu em Santos, no dia 25 de julho de 1944. Seus pais
eram artistas: Alfredo, cantor e crooner de boates, e Tomaza,
corista. Ambos trabalhavam em cassinos, até que o jogo foi proibido em todo o
território nacional, e o casal se viu com muitas dificuldades financeiras.
“Aprendi desde pequeno que precisava representar para sobreviver, o que nunca
me deixou um trauma, pelo contrário. Sempre fui uma criança diferente das
outras, tive uma história instigante. Às vezes, eu tinha que dormir cedo porque
não havia o que comer em casa. Então, até hoje, para mim, estou no lucro. Minha
vida é sempre lucro”, analisa o ator, que, com apenas 6 anos, fez participações
na Rádio Record. Ney Latorraca garante que “o ator já nasce ator”. E relembra com gosto seus
tempos de escola para comprovar sua tese: “Na época do colégio, eu já
representava. Descobri que um professor era espírita. Então, eu recebia entidades
para passar de ano. Eu me jogava no chão para conseguir nota, babava. E
passava. Eu era um pequeno monstrinho. Foi ali que comecei a fazer teatro”. Aos
19 anos, ainda morando em Santos, passou em seu primeiro teste e fez Pluft,
o Fantasminha, de Maria Clara Machado. A peça saiu até na Tribuna de Santos,
Ney Latorraca se imaginou como um grande ator e, por conta desse sucesso, foi
para São Paulo disposto a mergulhar de cabeça nas artes cênicas. Fez um teste
com o diretor Plínio Marcos, no Teatro Arena. Passou, mas Reportagem de um
Tempo Mau, do próprio Plínio, não chegou a entrar em cartaz: o governo militar
mandou prender os atores. “Fiquei completamente arrasado, queria me matar.
Voltei para Santos”, diz.
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Vamp |
A volta foi dura, um tempo de muito trabalho, mas acabou se revelando
produtiva. Ele trabalhou em banco, em loja de roupa feminina, foi vendedor de
pedra semipreciosa; mas também se matriculou na Escola de Arte Dramática e fez
algumas peças. Até que foi para a TV Tupi. Fez figurações e pontas, inclusive
em Beto Rockfeller, de Bráulio Pedroso. “Fiz figuração porque Lima Duarte,
que dirigia a novela, não gostou de mim, falou que a minha voz era muito
afetada. Fiquei fazendo ponta – pela qual não me pagaram. Quer dizer, pagaram
com uma coisa chamada dinheiron, que você trocava por artigos de uma loja
que só tinha roupa feminina. Troquei por duas calcinhas e um sutiã para minha
mãe. A Tupi estava em decadência”, afirma. Ney Latorraca ainda passou pela TV Cultura, depois pela TV Record, onde
trabalhou por cinco anos. Ali, diz que aprendeu a fazer televisão e destaca a
novela Venha Ver o Sol na Estrada, de Leilah Assumpção: “Foi uma coisa que
eu considero entre as maiores loucuras da televisão brasileira, com direção de
Antunes Filho, um dos maiores diretores teatrais do país”.
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O Cravo e a Rosa |
Após a estreia na Globo em 1975, e o sucesso do personagem Felipe, Ney
Latorraca assinou um contrato de dois anos com a emissora. A partir dali, foram
17 novelas, seis minisséries e mais de uma dezena de seriados e especiais,
incluindo um musical e um humorístico. Em Coração
Alado (1980), de Janete Clair, contracenou com Vera Fischer e, com
ela, interpretou a primeira cena de estupro em uma novela das oito. “Foi uma
luta. Ela quem me jogava para cima e para baixo. Uma loucura. A cena ficou
linda, bem marcada, uma coisa de bom gosto, não uma grosseria. Mas é claro que
é um tema forte para a novela das oito. Tinha que ser a Janete. Eu acho que
mexer com a sociedade é função da dramaturgia”, comenta. Em 1984, atuou naquela que o ator consideraria uma de suas minisséries
preferidas, Anarquistas,
Graças a Deus, adaptada do romance de Zélia Gattai por Walter George Durst.
“Eu fiz um baita sucesso, fui capa de todas as revistas. Todo mundo amava. Eu
só não tinha a aprovação de Zélia. Ela era a única pessoa que não havia me
falado nada. Recebi flores de todo mundo. Foi um escândalo, uma coisa
emocionante, que parou o país. Até que recebi um telegrama da Zélia: ‘Se meu
pai estivesse vivo, ficaria muito emocionado. Eu estou vendo meu pai no vídeo’.
Chorei muito”, relata.
Um ano depois, atuou em Um
Sonho a Mais, de Lauro César Muniz e Daniel Más, baseada na peça teatral Volpone,
de Ben Johnson. Na trama, interpretou seis papéis. “Pensei que fosse
enlouquecer. Eu gravava com todo o elenco. Anabela Freire, um dos meus
personagens, virou um sucesso. Passei nove meses de salto. Virei o versátil da
Globo. Com essa história de versátil é que dancei mesmo. Comecei a fazer de
tudo: sapatear, plantar bananeira, subir, descer, fazer árvore, jacaré,
vampiro. Mas é bom ser versátil. Você não fica carimbado”, ensina. Um fato
curioso é que foi a partir dessa experiência que o ator acabou na peça O
Mistério de Irma Vap. “Vendo esse hospício, Marília Pera, que é minha madrinha,
pensou em montar a peça com Nanini e eu vestidos de mulher e trocando de roupa.
Na Broadway, a peça ficou em cartaz por oito meses. Aqui, 11 anos”, compara.
Em 1990, Ney Latorraca transferiu-se para o SBT, onde atuou na novela Brasileiras
e Brasileiros, de Carlos Alberto Soffredini e Walter Avancini. “Fui com
Avancini, que me chamou para lançar uma nova dramaturgia no SBT. Precisava
alguém de nome. E fui. Voltei correndo, como um rato!”, exagera. Foi nessa volta para a Globo, em 1991, que Ney Latorraca transformou sua
participação especial de nove capítulos no grande sucesso de Vamp.
No primeiro dia de janeiro de 1994, sua mãe faleceu, o que mexeu muito com o
ator. “Minha vida deu uma parada, quase morri junto. Fiquei péssimo. Fiquei
muito magro, com quase 50 kg. Nanini me convidou para fazer O Médico e o
Monstro, e só aceitei para poder voltar a ensaiar”. Na época, atuou em Zazá,
de Lauro César Muniz, em 1997. “Meu personagem era um vilão. Fui muito bem
tratado pela imprensa, diziam que era a volta de Latorraca. Acho que era uma
maneira de me agradar, porque sabiam que eu estava muito mal”, acredita.
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Da Cor do Pecado |
De
volta ao trabalho, o ator fez várias participações em minisséries e especiais
como Você Decide e Brava Gente. Também atuou em novelas como Bang
Bang, de Mário Prata e Carlos Lombardi, em 2005, e Negócio
da China, de Miguel Falabella, em 2008. Em 2010, voltou a mostrar sua
faceta cômica em SOS
Emergência, e, no ano seguinte, fez uma participação especial no seriado A
Grande Família. Sucesso de público e crítica, Ney Latorraca possui no currículo, ainda, 23
longas-metragens e 13 peças. Quando perguntado sobre os personagens de que mais
gostou, o ator destacou aqueles que fizeram sucesso com as crianças: “Quando a
criança gosta, você está feito. É o melhor público que existe, porque ele não
se policia, não tem maldade alguma. Ou aceita de cara, ou, se quiser rejeitar,
rejeita. E a criança faz a cabeça da família inteira, além de ser fiel a você
pelo resto da vida.”
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