Texto: BBC Brasil
Desde
que assumiu o segundo mandato, no último mês de janeiro, a presidente Dilma
Rousseff tem sofrido pressão de grupos que pedem o impeachment dela do cargo.
Ainda no ano passado, após a reeleição da petista, houve manifestações
convocadas pedindo sua saída - alguns protestos chegaram até a pedir a volta da
ditadura militar.
Com
a crise econômica, o dólar em alta e a inflação batendo recordes, a pressão
popular sobre Dilma tem se intensificado. No último domingo, durante o primeiro
pronunciamento da presidente em rede nacional neste ano, um 'panelaço' foi
registrado em várias capitais, com moradores saindo em suas janelas para gritar
palavras de ordem contra a petista. Além disso, há um grande protesto sendo
convocado nacionalmente para o próximo dia 15 de março que deve pedir a saída
da presidente do cargo.
Mas
existe base para sustentar um pedido de impeachment?
A
BBC Brasil conversou sobre o assunto com alguns dos mais renomados juristas do
país, que fazem análises distintas sobre a possibilidade de um eventual
afastamento da presidente do cargo. Confira:
Existe
base jurídica para um pedido de impeachment de Dilma?
No
início de fevereiro, o jurista e professor emérito do Mackenzie Ives Gandra
Martins divulgou no jornal Folha de S. Paulo um trecho do parecer
jurídico que escreveu a respeito de um possível impeachment de Dilma Rousseff.
Nele, Martins conclui que há fundamentação jurídica para um processo como esse,
baseando-se na hipótese de culpa da presidente diante dos escândalos que têm
sido revelados envolvendo desvios de dinheiro público na Petrobras.
"O
que é culpa? Imperícia, negligência, imprudência ou omissão. Dilma foi
presidente do Conselho Administrativo da Petrobras e não diagnosticou os erros
no contrato (da refinaria) de Pasadena. Ela manteve a direção da empresa, sendo
que a empresa foi saqueada durante oito anos, e ela permitiu isso primeiro como
presidente do Conselho, depois como ministra das Minas e Energia, por último
como presidente", disse o jurista à BBC Brasil. "É um caso de culpa,
que pode ser considerado no crime de improbidade administrativa e, portanto,
tem base jurídica."
Para
o jurista e professor de Direito Administrativo da PUC-SP Celso Antônio
Bandeira de Mello, porém, não há nada que evidencie a relação de Dilma com os
escândalos da Petrobras. "Precisaria ser algo muito mais forte, que
vinculasse muito diretamente a presidente à prática criminosa. Nesse caso, não
há fatos", afirmou. "Não tem nenhum sentido falar nisso. Se for
assim, todos os presidentes do mundo podem sofrer impeachment, nenhum iria
escapar. Isso não passa de esperneio político, eles querem ganhar a eleição no
tapetão."
Gandra
Martins rebate: "Se eu sou diretor de uma empresa, essa empresa é saqueada
por oito anos, em bilhões de reais, será que ninguém percebeu? Então ela deixou
que a empresa fosse saqueada."
Mas
na visão Bandeira de Mello, a articulação pelo impeachment é uma tentativa de
'golpe' contra o resultado da eleição. "Isso não tem sentido. A direita
ficou irritada por ter perdido a eleição e acha que podem criar essa 'onda'.
Eles estão junto com a imprensa em uma campanha forte pra desestabilizar o
governo da Dilma. Existe um costume no Brasil de chamar de opinião pública o
que é opinião publicada", opinou.
O
impeachment é uma decisão jurídica ou política?
Os
dois juristas entendem que, apesar da discussão sobre as leis em torno do tema,
um impeachment depende muito mais de uma vontade política do que de um
embasamento jurídico. "É uma decisão muito mais política do que jurídica.
Até deveria ser mais jurídica do que política, mas não é. É o Legislativo que
decide e seria preciso que o Legislativo estivesse muito fanatizado para isso
acontecer. Não e fácil contrariar a vontade do povo nas ruas", disse
Bandeira de Mello.
Ele
explica que, para que um presidente seja afastado de suas funções, o processo
de impeachment precisa ser aprovado primeiro na Câmara por dois terços dos
deputados, e depois no Senado, pela mesma proporção. Por conta disso, Ives
Gandra Martins também concorda que a discussão é muito mais política do que
jurídica. "O argumento jurídico é para dar base à discussão. Pode-se
discutir juridicamente, mas se a Câmara afastar o presidente, dificilmente o
STF (Supremo Tribunal Federal) iria contestar uma decisão da Câmara."
O
especialista em Direito Constitucional Pedro Serrano afirma, porém, que, apesar
de o Legislativo ter o poder de 'julgar' um processo de impeachment, esse
julgamento não é puramente político, porque precisa ser feito sob critérios
legais. "O Congresso não pode inventar um processo de impeachment, isso
seria uma forma de golpe. Ele só pode julgar um processo desses nas hipóteses
previstas na lei. A pessoa que decide é o Congresso, mas ele decide a partir de
um processo legítimo", explicou.
"Se
ela fosse cassada por esses motivos (mencionados por Gandra), ela (Dilma)
poderia recorrer ao Judiciário alegando que argumentos não são fundamentáveis
juridicamente. E aí ela pode conseguir uma liminar que suspende a decisão do
Congresso, porque a decisão em última instância é sempre do STF. O Congresso
julga de acordo com as leis e não de acordo com a vontade dele."
No
atual cenário, qual é a probabilidade de existir um impeachment?
Apesar
de ter escrito um parecer jurídico que dá base a um eventual impeachment da
presidente Dilma, o jurista Ives Gandra Martins entende que essa é uma hipótese
que dificilmente se concretizará no atual cenário. "Eu tenho a impressão
que, juridicamente tem base, mas dificilmente um presidente não tem um terço do
Congresso do seu lado", explica. "Acho que a única probabilidade de
isso acontecer é a manifestação do dia 15 ser de tal ordem que faça com que os
deputados percebam que é ruim para eles ficar do lado dela, porque 'pega mal'
ficar do lado de uma pessoa que é tão criticada. Mas politicamente é
improvável."
Lembrando
a única situação de impeachment vivida no país - quando Fernando Collor de Melo
foi afastado do cargo por denúncias de corrupção, em 1992 -, o jurista Celso
Antônio Bandeira de Mello reitera que seria muito difícil a situação se repetir
agora. "O impeachment só acontece nos casos que são chamados 'crimes de
responsabilidade'. Isso é uma coisa rara e difícil de acontecer, tanto que na
história do Brasil, só houve o caso do Collor - mas ele também passou dos
limites", afirmou.
Segundo
Bandeira de Mello, o 'clamor' pelo impeachment será uma onda passageira que não
deve durar muito. Mas Ives Gandra alerta que há um risco de a crise política do
país ficar 'insustentável', caso as medidas de austeridade propostas pelo
Ministro da Fazenda, Joaquim Levy, não sejam aprovadas em breve. "O
problema é que na medida em que Dilma continua no poder, ninguém mais acredita
na sua capacidade de solucionar o problema da economia. Se o Joaquim Levy não
tiver confiança das pessoas, o Brasil se torna ingovernável. A solução dela
seria a aprovação das medidas dele."
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