segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Biblioteca Virtual: O Livreiro de Cabul

Título: O Livreiro de Cabul
Título Original: Bokhandleren i Kabul
Autor: Asne Seierstad
Editora: Record
Número de Páginas: 316

O livreiro de Cabul é um livro-reportagem narrado por uma hábil escritora. Não se trata meramente de mais “um olhar humanizado sobre a matéria”, máxima que muitos jornalistas escutam nas redações na hora de contar aos seus leitores os dramas humanos. A obra de Asne Seierstad vai além do jornalismo literário convencional. É pura literatura, romântica e não piegas, com pinceladas de bom jornalismo.

O livro remete às crônicas de viagem do século XIX, pois traz seu quinhão de pitoresco e exótico na narrativa do cotidiano de uma família afegã, mas sem cair na esteriotipação que nasce dos preconceitos. Asne é uma estrangeira em meio a uma cultura mal-compreendida e estranha ao ocidente, por isso o encanto e a surpresa do olhar forasteiro estão lá, mas ela se permite viver a rotina de seus anfitriões e olhá-los com o máximo de isenção, sem contudo perder o calor da tão buscada “humanização da notícia”.

Tanto cuidado não impediu no entanto, que a família que serviu de modelo para a obra de Asne, processasse a escritora e pedisse compensações financeiras por “transtornos causados devido às revelações feitas na obra”. O resultado do julgamento foi a doação de uma parte dos direitos autorais para uma fundação que visa promover a literatura afegã, sugestão da própria autora.

No livro, o personagem principal, Sultan Khan, é inspirado em um livreiro de carne e osso, que enfrentou poucas e boas para garantir o funcionamento de suas livrarias durante o Talibã. Embora tivesse um comportamento liberal e progressista na área da cultura, Sultan Khan dirigia a família com mão de ferro, seguindo os preceitos do fundamentalismo islâmico no trato com as esposas e filhos.

Sem fazer concessões, mas tampouco tecer juízos de valor, a autora não esconde a admiração que aprendeu a sentir pelo patriarca do clã que a hospeda na tumultuada Cabul de muitas guerras civis e invasões. Mesmo admitindo que algumas ações de seu anfitrião são condenáveis sob o ponto de vista da sociedade na qual foi educada, Asne não deixa de mostrar um outro ponto de observação pelo qual o leitor pode tecer suas próprias considerações.

A escritora parece compreender com bastante clareza o fato dos seres humanos serem luz e sombra ao mesmo tempo. Mais que isso, boa parte das ações humanas se origina na zona cinzenta que faz o ponto de intersecção entre a luz e a sombra. Pena que a família do livreiro não gostou do resultado, ou se arrependeu de deixar alguém devassar sua intimidade.

Sem esconder a opressão vivida pelas mulheres afegãs, tema largamente explorado na literatura e amplamente mostrado na mídia, ela investe em esmiuçar outro ângulo da mesma questão, revelando que as relações de gênero no Afeganistão são bem mais complexas do que sonha a vã filosofia maniqueísta da cultura ocidental. Os homens de lá também vivem oprimidos, tanto por regimes que cerceiam as liberdades civis, quanto pelo peso da tradição.


Fonte: Mar de Histórias (http://abre.ai/FCK)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Blog do Programa Atualize

Blog do Programa Atualize