sexta-feira, 25 de julho de 2014

Recordando a Carreira: 70 anos de Ney Latorraca


Filho de um crooner e de uma corista que se apresentavam em cassinos, teve como padrinho de batismo o ator Grande Otelo, tendo crescido já no meio artístico. Dois anos após seu nascimento, um decreto do presidente Eurico Gaspar Dutra fechou os cassinos, perdendo assim a sua família seu principal meio de sobreviver.Começou cedo sua carreira de ator. Aos seis anos, fez uma participação em uma radionovela da Record. Depois atuou no teatro estudantil e teve sua primeira oportunidade profissional por volta dos 20 anos de idade, ao ser aprovado para integrar o elenco da peça Reportagem de Um Tempo Mau, em 1965, que teve apenas uma apresentação no Teatro de Arena, tendo sido proibida pela Censura Federal. Ingressou na TV fazendo figuração na Tupi. Participou do seriado Alô, Doçura, em 1953, da novela Beto Rockfeller, em 1968, e ainda fez uma participação de três capítulos na novela Super Plá, em 1969. Depois fez uma passagem pela TV Cultura, onde trabalhou em um teleteatro, encenando Yerma.

Eu Prometo
Quando o ator Ney Latorraca foi convidado a fazer uma participação especial na novela Vamp (1991), de Antonio Calmon, para viver o vampiro Vlad, pensou em recusar. Ele estava em cartaz com a peça O Mistério de Irma Vap, em São Paulo, e não queria acumular trabalho. Sentia-se cansado. Como seriam apenas nove capítulos, Ney Latorraca resolveu aceitar. Para a nossa alegria. “No primeiro dia em que eu mordi a personagem de Claudia Ohana, em vez de dizer ‘gostoso’, eu disse ‘gotoso’. Quando falei esse ‘gotoso’, percebi: dancei. Toda a novela ficou em cima dos vampiros, virou uma loucura. Fiquei até o final, e Vlad fez um baita sucesso. Passei nove meses com aquele dente, com aquela capa, voando”, conta.

Anarquistas, Graças a Deus
Tem sido assim a carreira de Ney Latorraca, um sucesso atrás do outro. Se por um lado, sua vaidade o leva sempre ao superlativo, por outro a verdade é que o grande público adora o ator. E se encanta com seus personagens, que sempre crescem com uma atuação única, cheia de detalhes, construída milimetricamente por ele, do jeito de falar ao tipo de passo, do figurino ao penteado. Foi assim, por exemplo, logo na primeira novela de Ney Latorraca na Globo, Escalada, de Lauro César Muniz, exibida ainda em preto e branco, em 1975. Felipe, seu personagem, era mudo. “Ele só balançava a cabeça. E o que aconteceu? Um mês depois que a novela estreou, o personagem fazia tanto sucesso que todo mundo queria saber quem era aquela pessoa jogada pelos cantos, muda. Eu nunca apresentei aquele padrão imposto de galã, que precisava ter uma virilidade explícita. Pelo contrário. Mas Felipe fez sucesso, principalmente com o público feminino. Na época, havia um concurso em nível nacional para eleger o rei da televisão. Em seis semanas, eu já estava concorrendo com Tarcísio Meira e Roberto Carlos”, relembra.

Tv Pirata
Histórias como essa se repetem na carreira do ator. O que falar, por exemplo, de Barbosa, o velhinho beiçudo de TV Pirata? “Era um velho tarado, de cabeça branca, com um pouco de bico. Mas eu comecei a aumentar o bico, tanto que, meses depois, só dava Barbosa e todo mundo imitava. Foi um baita sucesso. Até hoje me pedem na rua para fazer o Barbosa”, ilustra. Bem antes disso, o Mederiques, da novela Estúpido Cupido (1976), de Mário Prata, também emplacou. “Eu estava com 33 anos e interpretava um cara de 17. Queria abandonar, não ia mais fazer. Primeiro me botaram de peruca, todo maquiado. Quando me vi caracterizado como o personagem, falei: ‘Estou parecendo um macaco’. Falei que ficava com uma condição: ‘Quero escolher meu figurino’. Me vesti todo de preto, sem maquiagem alguma, e pedi uma lambreta preta. Batizei-a de Brigite. Comecei a falar coisas assim: ‘Vamos lá, rapazes, não temos tempo a perder”. E para dizer que eu era jovem, andava com um gingado característico. Virou um grande sucesso, estourou mesmo. Fizeram história em quadrinhos, chiclete, figurinha – e eu era uma das figurinhas mais difíceis”, detalha.

Um Sonho a Mais
Antônio Ney Latorraca nasceu em Santos, no dia 25 de julho de 1944. Seus pais eram artistas: Alfredo, cantor e crooner de boates, e Tomaza, corista. Ambos trabalhavam em cassinos, até que o jogo foi proibido em todo o território nacional, e o casal se viu com muitas dificuldades financeiras. “Aprendi desde pequeno que precisava representar para sobreviver, o que nunca me deixou um trauma, pelo contrário. Sempre fui uma criança diferente das outras, tive uma história instigante. Às vezes, eu tinha que dormir cedo porque não havia o que comer em casa. Então, até hoje, para mim, estou no lucro. Minha vida é sempre lucro”, analisa o ator, que, com apenas 6 anos, fez participações na Rádio Record. Ney Latorraca garante que “o ator já nasce ator”. E relembra com gosto seus tempos de escola para comprovar sua tese: “Na época do colégio, eu já representava. Descobri que um professor era espírita. Então, eu recebia entidades para passar de ano. Eu me jogava no chão para conseguir nota, babava. E passava. Eu era um pequeno monstrinho. Foi ali que comecei a fazer teatro”. Aos 19 anos, ainda morando em Santos, passou em seu primeiro teste e fez Pluft, o Fantasminha, de Maria Clara Machado. A peça saiu até na Tribuna de Santos, Ney Latorraca se imaginou como um grande ator e, por conta desse sucesso, foi para São Paulo disposto a mergulhar de cabeça nas artes cênicas. Fez um teste com o diretor Plínio Marcos, no Teatro Arena. Passou, mas Reportagem de um Tempo Mau, do próprio Plínio, não chegou a entrar em cartaz: o governo militar mandou prender os atores. “Fiquei completamente arrasado, queria me matar. Voltei para Santos”, diz.

Vamp
A volta foi dura, um tempo de muito trabalho, mas acabou se revelando produtiva. Ele trabalhou em banco, em loja de roupa feminina, foi vendedor de pedra semipreciosa; mas também se matriculou na Escola de Arte Dramática e fez algumas peças. Até que foi para a TV Tupi. Fez figurações e pontas, inclusive em Beto Rockfeller, de Bráulio Pedroso. “Fiz figuração porque Lima Duarte, que dirigia a novela, não gostou de mim, falou que a minha voz era muito afetada. Fiquei fazendo ponta – pela qual não me pagaram. Quer dizer, pagaram com uma coisa chamada dinheiron, que você trocava por artigos de uma loja que só tinha roupa feminina. Troquei por duas calcinhas e um sutiã para minha mãe. A Tupi estava em decadência”, afirma. Ney Latorraca ainda passou pela TV Cultura, depois pela TV Record, onde trabalhou por cinco anos. Ali, diz que aprendeu a fazer televisão e destaca a novela Venha Ver o Sol na Estrada, de Leilah Assumpção: “Foi uma coisa que eu considero entre as maiores loucuras da televisão brasileira, com direção de Antunes Filho, um dos maiores diretores teatrais do país”.

O Cravo e a Rosa
Após a estreia na Globo em 1975, e o sucesso do personagem Felipe, Ney Latorraca assinou um contrato de dois anos com a emissora. A partir dali, foram 17 novelas, seis minisséries e mais de uma dezena de seriados e especiais, incluindo um musical e um humorístico. Em Coração Alado (1980), de Janete Clair, contracenou com Vera Fischer e, com ela, interpretou a primeira cena de estupro em uma novela das oito. “Foi uma luta. Ela quem me jogava para cima e para baixo. Uma loucura. A cena ficou linda, bem marcada, uma coisa de bom gosto, não uma grosseria. Mas é claro que é um tema forte para a novela das oito. Tinha que ser a Janete. Eu acho que mexer com a sociedade é função da dramaturgia”, comenta.  Em 1984, atuou naquela que o ator consideraria uma de suas minisséries preferidas, Anarquistas, Graças a Deus, adaptada do romance de Zélia Gattai por Walter George Durst. “Eu fiz um baita sucesso, fui capa de todas as revistas. Todo mundo amava. Eu só não tinha a aprovação de Zélia. Ela era a única pessoa que não havia me falado nada. Recebi flores de todo mundo. Foi um escândalo, uma coisa emocionante, que parou o país. Até que recebi um telegrama da Zélia: ‘Se meu pai estivesse vivo, ficaria muito emocionado. Eu estou vendo meu pai no vídeo’. Chorei muito”, relata.

Um ano depois, atuou em Um Sonho a Mais, de Lauro César Muniz e Daniel Más, baseada na peça teatral Volpone, de Ben Johnson. Na trama, interpretou seis papéis. “Pensei que fosse enlouquecer. Eu gravava com todo o elenco. Anabela Freire, um dos meus personagens, virou um sucesso. Passei nove meses de salto. Virei o versátil da Globo. Com essa história de versátil é que dancei mesmo. Comecei a fazer de tudo: sapatear, plantar bananeira, subir, descer, fazer árvore, jacaré, vampiro. Mas é bom ser versátil. Você não fica carimbado”, ensina. Um fato curioso é que foi a partir dessa experiência que o ator acabou na peça O Mistério de Irma Vap. “Vendo esse hospício, Marília Pera, que é minha madrinha, pensou em montar a peça com Nanini e eu vestidos de mulher e trocando de roupa. Na Broadway, a peça ficou em cartaz por oito meses. Aqui, 11 anos”, compara.

Em 1990, Ney Latorraca transferiu-se para o SBT, onde atuou na novela Brasileiras e Brasileiros, de Carlos Alberto Soffredini e Walter Avancini. “Fui com Avancini, que me chamou para lançar uma nova dramaturgia no SBT. Precisava alguém de nome. E fui. Voltei correndo, como um rato!”, exagera. Foi nessa volta para a Globo, em 1991, que Ney Latorraca transformou sua participação especial de nove capítulos no grande sucesso de Vamp. No primeiro dia de janeiro de 1994, sua mãe faleceu, o que mexeu muito com o ator. “Minha vida deu uma parada, quase morri junto. Fiquei péssimo. Fiquei muito magro, com quase 50 kg. Nanini me convidou para fazer O Médico e o Monstro, e só aceitei para poder voltar a ensaiar”. Na época, atuou em Zazá, de Lauro César Muniz, em 1997. “Meu personagem era um vilão. Fui muito bem tratado pela imprensa, diziam que era a volta de Latorraca. Acho que era uma maneira de me agradar, porque sabiam que eu estava muito mal”, acredita.


Da Cor do Pecado
De volta ao trabalho, o ator fez várias participações em minisséries e especiais como Você Decide e Brava Gente. Também atuou em novelas como Bang Bang, de Mário Prata e Carlos Lombardi, em 2005, e Negócio da China, de Miguel Falabella, em 2008. Em 2010, voltou a mostrar sua faceta cômica em SOS Emergência, e, no ano seguinte, fez uma participação especial no seriado A Grande Família. Sucesso de público e crítica, Ney Latorraca possui no currículo, ainda, 23 longas-metragens e 13 peças. Quando perguntado sobre os personagens de que mais gostou, o ator destacou aqueles que fizeram sucesso com as crianças: “Quando a criança gosta, você está feito. É o melhor público que existe, porque ele não se policia, não tem maldade alguma. Ou aceita de cara, ou, se quiser rejeitar, rejeita. E a criança faz a cabeça da família inteira, além de ser fiel a você pelo resto da vida.” 

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