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Sol de Verão |
Costuma-se
dizer que nada acontece por acaso. Talvez por isso, ao assistir à peça A
Ratoeira, de Agatha Christie, Irene Yolanda Ravache Paes de Mello, então com
seus 16 anos e deslumbrada com o que via, tenha decidido: “Acho que posso
trabalhar com esse negócio.” O que não chegava a significar exatamente um
desejo de ser atriz, mas de participar daquele mundo mágico que via no palco.
De lá pra cá, a mocinha que estudou piano e pensava se tornar bailarina mudou
de rumo. Estudou teatro, passou pelo telejornalismo, mas seu rosto e seu nome
se tornaram conhecidos do público pelas novelas, minisséries e peças nas quais
atuou, na televisão e nos palcos.
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Sassaricando |
Fazendo a favelada, em cima de carroceria de caminhão; aparecendo como a fina
mulher de empresário bem-sucedido; como uma grega simpática e falastrona; ou
como a perua de decotes exagerados e brincos enormes, a trajetória de Irene
Ravache confirma um talento dramático que ela nem sonhava possuir. E o acaso
sempre pareceu estar ao seu lado. Seu noivo ia fazer um teste para um papel
numa peça de Gianfrancesco Guarnieri, e ela resolveu acompanhá-lo. Acabou no
elenco deEles Não Usam Black-Tie, no Teatro do Centro Popular de Cultura,
o CPC, da União Nacional dos Estudantes, a UNE. Tudo porque o diretor Oduvaldo
Vianna Filho, o Vianinha, lhe pediu para ler parte do texto enquanto as atrizes
que seriam testadas para o personagem não chegavam. Irene leu, convenceu e
acabou como a Mariazinha, namorada do filho do protagonista. Ao chegar em casa
com a notícia, a mãe, Dona Lygia Azevedo Ravache, funcionária pública e esposa
do mecânico Carlos Alberto Ravache, estranhou: a filha definitivamente não
devia estar passando bem. Motivo para que lhe marcasse um eletroencefalograma.
“Foi uma experiência boa, enriquecedora para uma jovem. Fazíamos teatro em
sindicatos, em praças públicas, em cima de caminhão. Nos sindicatos, sempre
havia debates depois da encenação”, lembra. Era a década de 1960, da ditadura
militar e do teatro engajado. “Quando a polícia chegava, como costumava
acontecer na época, o motorista tocava o caminhão, e você, no meio da cena,
caía sentada.” Por outro lado, foi nessas aventuras que a ruivinha de rosto
redondo, criticada por não ter cara de favelada para o papel, foi começando a
ver a vida por um viés mais político. “A partir daí, da convivência com
Oduvaldo Vianna, com o pessoal da UNE, passei a ter uma visão mais crítica,
mais analítica, das coisas, que até então eu não tinha.”
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Éramos Seis |
A estreia na televisão aconteceu na TV Rio, também nos anos 1960, e foi ligada
ao jornalismo. O programa era Pergunte ao João, que reproduzia um sucesso
da Rádio Jornal do Brasil. “Eu lia as perguntas dos telespectadores, ligadas a
conhecimentos gerais, e uma marionete respondia.” Na mesma emissora, Irene
também lia pequenas notas num programa que reunia a fina flor da televisão da
época: Heron Domingues, o conhecidíssimo Repórter Esso, dizia as notícias, o
comentarista João Saldanha falava de esportes, o jornalista e escritor Nelson
Rodrigues fazia uma crônica carioca e Ibrahim Sued se encarregava da coluna
social. “Era o que havia de melhor, de mais curioso, de mais interessante”,
resume.
Chegar à Globo foi questão de sorte e determinação. “Não fui convidada para ir
para a Globo. Eu fui.” Havia tido seu primeiro filho, precisava de emprego, e a
Globo, em 1965, estava começando no Rio. Saiu para fazer dois testes: um para a
peça Hello, Dolly, produção de Oscar Ornstein, no Teatro Mesbla, e outro
para a Globo. Mãe de primeira viagem, amamentando, preocupava-se com a demora
do teste e com o filho que ficara em casa. Na hora, esqueceu tudo, inclusive a
música que tinha preparado. Cantou a primeira coisa que lhe veio à cabeça, Parabéns
pra Você, dançou com o coreógrafo – e conseguiu o papel.
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Suave Veneno |
Na Globo, a atriz deveria procurar pelo diretor Rubens Amaral. Passou horas
esperando, até o momento em que foi informada pela secretária de que ele havia
acabado de sair. “Vi que ele estava entrando no carro e corri atrás. ‘O senhor
é o Rubens Amaral?’ ‘Sou.’ ‘Pois está cometendo um erro gravíssimo.’ ‘E você
vai me dizer qual é.’ ‘É que eu não estou trabalhando nesta emissora – isso é
um erro enorme.’ Disse isso e virei as costas. Ele saiu do carro e perguntou
por quê. ‘Porque eu canto, danço, represento e apresento telejornal.’ Na porta
da emissora, ele mandou que ligassem para o diretor Paulo de Grammont, repetiu
o que eu tinha dito e pediu que me testasse por uma semana para saber se tudo
aquilo era mesmo verdade. E foi logo avisando: ‘Se não for, vou espalhar por
todo o Rio de Janeiro que tem uma moça doida chamada Irene Ravache.’”, recorda
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Belíssima |
Paixão
de Outono, Eu
Compro Essa Mulher, Os Galãs Atacam de Madrugada, Beto
Rockefeller, A Viagem. “Essa novela foi um marco no meu trabalho. Ganhei
prêmios com ela.” O Profeta, Cara a Cara, Sol
de Verão, Guerra
dos Sexos, Champagne, O
Machão. Foram inúmeras novelas, em passagens pelas diferentes emissoras,
TV Tupi, TV Excelsior, TV Bandeirantes e Globo, em diferentes épocas. No TV
Mulher, nos anos 1980, chegou a substituir Marília Gabriela nas férias e
conduziu várias entrevistas. Uma delas, inclusive, com a própria Marília
Gabriela. Na novela Beto Rockefeller, escrita por Bráulio Pedroso e exibida pela TV
Tupi entre 1968 e 1969, fazia Neide, irmã do protagonista Beto, vivido pelo
ator Luis Gustavo. “Foi um divisor de águas na história da teledramaturgia, uma
novela divertida, em que nenhum dos personagens estava muito ligado a drama.” A
novela já invertia pressupostos até então intocados: o mocinho da trama não era
exatamente um mocinho, mas um trambiqueiro, inteiramente diferente dos galãs de
terno e gravata que se via à época. E o diretor era um ator, o Lima Duarte.
Neide era apaixonada pelo patrão, um homem casado. Mas pelos rigores da
censura, não podia ter beijo, não podia nada.
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Passione |
Na Globo, em Sassaricando (1987),
Irene Ravache foi parte do trio de mulheres formado com Tonia Carrero e Eva
Wilma, dispostas a arranjar marido, de preferência rico. Paulo Autran era o
milionário que ficava viúvo e acabava se envolvendo com as três. Com o ator,
ela trabalhara antes na primeira versão de Guerra
dos Sexos, na qual interpretou a Bárbara. Quase 30 anos depois,
atuaria novamente na trama de Silvio de Abreu, que assinou o remake de Guerra
dos Sexos (2012). Desta vez, o papel de Irene Ravache seria o da
protagonista Charlô. A
atriz esteve ainda Passione (2005),
em Eterna
Magia (2007), que acabou lhe rendendo uma indicação para o Prêmio Emmy
2008 de melhor atriz, por sua interpretação como Loreta O’Neill; e nas
minisséries A
Casa das Sete Mulheres (2003) e Amazônia
- De Galvez a Chico Mendes (2007).
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Guerra dos Sexos |
Dos seus trabalhos feitos nos anos 2000, a atriz destaca a Katina de Belíssima,
outra novela de Silvio de Abreu. A personagem era grega, casada com um turco,
povos que foram inimigos. O turco era Murat, vivido por Lima Duarte. “Katina
era vital, sensual, e isso reforçava a ideia de pessoas que já não são tão
belas nem tão jovens podiam ter um entendimento homem e mulher bem bacana.” Em Suave
Veneno, viveu Eleonor, a mulher de José Wilker, autodenominado imperador do
mármore e apaixonado pela personagem de Gloria Pires. Em compensação, Eleonor
caía de amores pelo jovem Rodrigo Santoro, que vivia um pintor iniciante a quem
ela ajudava. “A repercussão entre as menininhas era enorme. Elas viviam me
perguntando sobre Santoro, que ainda nem tinha feito o filme Bicho de Sete
Cabeças, mas já tinha fã-clube.” Para
Irene Ravache, exercer a profissão de atriz foi a possibilidade de entender a
si mesma e ao outro. “Sou uma atriz com enorme curiosidade pelos meus
personagens, pelo que me possa estar reservado. Ainda sou uma mulher em
processo de aprendizagem”, confessa. E esse aprendizado se amplia a cada novo
personagem, assim como também aumenta a curiosidade, traz a vontade de aprender
mais. “A verdade é que você nunca mais é a mesma pessoa depois de um
personagem”, avalia.
Depoimento
concedido ao Memória Globo por Irene Ravache em 18/05/2011
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