Assistir novelas, um dos grandes hábitos do brasileiro, sobreviveu à ditadura, mas não sem algumas cicatrizes. Para não esquecer o passado e, assim, não repetir os erros no futuro, no último dia 3 de agosto foi comemorado o fim da censura no Brasil, de acordo com a Constituição Brasileira de 1988.
Confira a seguir algumas obras que foram vetadas ou modificadas
O ano é 1975. Pouco depois do jantar, a família se reúne na sala. Com a TV ligada, assiste ao final do telejornal e espera pelo início da nova novela das 20h. É então que o apresentador Cid Moreira lê um editorial que marca um dos momentos mais emblemáticos da repressão à produção cultural brasileira: assinado pelo presidente da Rede Globo, Roberto Marinho, o texto anuncia o veto à novela "Roque Santeiro", que estrearia em seguida. Censurada, ela só vai ao ar 10 anos mais tarde, com elenco reformulado - José Wilker e Regina Duarte assumem os lugares de Francisco Cuoco e Betty Faria como Roque e viúva Porcina.
Mais uma novela das 20h, Selva de Pedra, escrita por Janete Clair, tratava de reencarnação, intolerância e preconceito - temas polêmicos para a realidade da época. A produção também sofreu modificações do DCDP: de acordo com a TV Globo, a sinopse apontava o casamento entre Cristiano (Francisco Cuoco) e Fernanda (Dina Sfat) depois que Simone (Regina Duarte) fosse considerada morta em um acidente de carro. O departamento, no entanto, vetou a união sob o argumento de que a personagem estava viva e que o casamento consistiria em bigamia. Como resultado, a autora teve de reestruturar a novela, reescrevendo 22 capítulos - sete em um único fim de semana. Fernanda acabou abandonada no altar.
A trama de Dias Gomes, O Bem Amado sofreu restrições no vocabulário dos personagens. A censura proibiu que alguns personagens fossem chamados de ‘coronel’, como o folclórico prefeito Odorico Paraguaçu, ou Capitão, apelido de Zeca Diabo. A justificativa era de que o tom era pejorativo e atingia os militares. O tema de abertura também teve que ser substituído: saiu uma música do Toquinho com o Vinícius de Moraes e entrou uma genérica, gravada pelo coral da Som Livre. De acordo com a TV Globo, a música original era 'Paiol de Pólvora', proibida pela censura devido ao verso “estamos sentados em um paiol de pólvora”.
"Dinheiro na mão é vendaval". Pecado Capital, trama exibida às 20h, girava em torno de um triângulo amoroso formado por um taxista, um rico viúvo e uma jovem operária que sonhava mudar de vida. A história de Carlão (Francisco Cuoco), escrita por Janete Clair, é uma obra da ditadura. Isso porque o sucesso nasceu da necessidade de encontrar uma substituta para "Roque Santeiro", tarefa para a qual escreveu uma sinopse em tempo recorde. À época, a Globo transmitia um compacto de "Selva de Pedra", que deu lugar a uma das produções de maior audiência na história da emissora.
Em uma história de quedas e superações, a novela Escalada de Lauro César Muniz retratava períodos importantes da história do Brasil, como a construção de Brasília. A censura federal, no entanto, impediu a menção ao nome do ex-presidente Juscelino Kubitschek, um dos responsáveis pela criação e execução do projeto. Segundo a TV Globo, há episódios em que outras indicações do DCDP foram ignoradas - como na cena em que o personagem Horácio, interpretado por Otávio Augusto, lia a carta-testamento de Getúlio Vargas. O diretor Daniel Filho não levou o veto adiante e a cena, considerada fundamental para a trama, foi ao ar - sem qualquer manifestação do governo a respeito.
A primeira versão de Roque Santeiro foi completamente censurada. Dez capítulos estavam editados e cerca de 30 finalizados quando a Censura do Regime Militar impediu que a história de Dias Gomes fosse exibida. Justificaram que mensagens subliminares contidas na narrativa poderiam ofender a moral, os bons costumes e a Igreja. A Globo enfrentou um enorme prejuízo, uma vez que a novela do horário nobre é o produto de maior rentabilidade da emissora. Betty Faria perdeu o que talvez fosse o maior papel de sua carreira, mas Regina Duarte o defendeu muito bem, em 1985, com uma impagável interpretação da viúva Porcina. A segunda versão, produzida em 1985, era praticamente igual à primeira. Segundo a TV Globo, não houve introdução de personagens, nem intervenções substanciais na história central.
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