segunda-feira, 25 de maio de 2015

Especial Novelas: Saramandaia (2013)


Inspirada na obra original de Dias Gomes, a novela de Ricardo Linhares traz de volta o realismo fantástico à teledramaturgia. Com apenas 57 capítulos e exibida no horário das 23h, a releitura apresenta os principais personagens exóticos que marcaram a versão de 1976, além de novas histórias e cidadãos de Bole-Bole, a fictícia cidade onde a trama se desenrola. Em 2013, o enredo foi usado para criticar a intolerância e o desrespeito à diversidade, enquanto na década de 1970 o alvo principal era a ditadura militar. Os personagens perderam o sotaque regional da primeira novela, mas mantiveram uma maneira distinta de falar. Homenageando outras obras de Dias Gomes, como O Bem Amado, os diálogos foram recheados de neologismos divertidos, como “conversório” ou “problemática”.

A trama começa com os cidadãos de Bole-Bole divididos em função de um plebiscito que pode trocar o nome da cidade para Saramandaia. Os tradicionais não querem o “mudancismo” e a juventude se diz “saramandista”. Por trás dessa briga há uma antiga disputa política e econômica entre duas famílias rivais, os Vilar e os Rosado. A votação foi proposta pelo vereador João Gibão (Sérgio Guizé) após um sonho onde a troca do nome seria o primeiro passo para modificações profundas na cidade. Gibão, um rapaz íntegro e honesto, sofre preconceito por ser diferente: ele tem uma corcunda e visões premonitórias. Logo no primeiro capítulo, o telespectador descobre que a protuberância em suas costas é um par de asas. Gibão nasceu assim e sua mãe Leocádia (Renata Sorrah) é a única que sabe de seu segredo. O homem que pode voar, teme revelar ser diferente e acaba cerceando sua própria liberdade. Ele nunca tira o gibão que esconde suas asas por medo de não ser aceito como realmente é.

O representante da tradição bolebolense é o ex-prefeito Zico Rosado (José Meyer). Zico é descendente dos fundadores de Bole-Bole e manter o nome da cidade é uma questão pessoal e comercial. O fazendeiro é dono de canaviais, de usina de açúcar e álcool e produz a cachaça Saramandaia. Ele não admite perder sua influência política para uma nova geração. Mesmo cometendo crimes para que sua vontade prevaleça, o ex-prefeito tem também um lado pitoresco: formigas saem do seu nariz quando ele fica nervoso. Com a proximidade do plebiscito, os ânimos se exaltam e as discussões são constantes. A novela começa com uma passeata de saramandistas se formando no centro da cidade. Jovens com caras pintadas marcam pela internet um movimento para ocupar o coreto da praça. É a Primavera Saramandense!

Em meio à confusão, o bolebolense Seu Cazuza (Marcos Palmeira), dono da farmácia, se envolve em um bate-boca na pensão de Dona Risoleta (Debora Bloch) e põe, literalmente, o coração pela boca. Quando tenta engolir, o órgão vai parar do lado errado do peito e Seu Cazuza  não resiste. Zico Rosado aproveita a passagem do cortejo, faz um discurso culpando os saramandistas pela morte de Seu Cazuza e começa a confusão. Enquanto isso, o caixão cai no chão e Seu Cazuza ressucita. É nesse momento que Vitória Vilar (Lilia Cabral) e seu filho mais novo Tiago (Pedro Tergolino) chegam  à cidade. Zico e Vitória, que são de família rivais, tiveram um romance na juventude e se reencontram 30 anos depois.

De Bole-Bole a Saramandaia
O plebiscito proposto por João Gibão (Sérgio Guizé) atiça os ânimos da população e divide opiniões. Depois de passeatas e manifestações a favor da mudança do nome de Bole-Bole para Saramandaia, o líder bolebolense, Zico Rosado (José Mayer) resolve contra-atacar. Oferece um “mensalinho” para os vereadores votarem a favor de Bole-Bole, manda dona Redonda (Vera Holtz) escrever um falso dossiê contra João Gibão e ordena botar uma bomba no Centro Cívico Bolebolense para jogar a culpa nos saramandistas. Mas nada dá certo.

Um dos planos mais ousados foi ideia de seu afilhado, o trambiqueiro Carlito Prata (Marcos Pasquim). Ele põe um sistema de áudio escondido nas flores que rodeiam a imagem de Santo Dias – uma homenagem à Dias Gomes - e esconde gotas do próprio sangue na estátua. Numa missa de domingo, Carlito coloca o plano em prática. Simula a imagem do padroeiro da cidade falando Bole-Bole e derramando lágrimas de sangue. Mas a armação não vai muito longe. Um exame de DNA na “lágrima milagrosa” mostra que Carlito estava por trás da encenação.

No dia do plebiscito, Seu Encolheu (Matheus Nachtergaele) fica responsável pelas informações sobre a apuração. Bole-Bole sai na frente, mas Saramandaia vira o jogo e ganha a eleição. A juventude saramandense comemora. O novo nome inaugura um momento de paz e compreensão na cidade. João Gibão assume suas asas, a rivalidade entre as famílias Rosado e Vilar acaba, Aparadeira (Ana Beatriz Nogueira), que destilava todo seu veneno contra Gibão por não ser como os outros, volta a falar com sua família circense (sua mãe é a Mulher Barbada; o pai, o Anão Malabarista e o irmão, o Trapezista Fortão) e dois lindos bebês alados nascem na cidade. Viva a diferença!

Tramas Paralelas

Zico e Vitória
O ódio e o rancor de Zico (José Mayer) se desmancham ao primeiro encontro com Vitória (Lilia Cabral). Ela, que transpira muito e parece se derreter quando chega perto de Rosado, não resiste à sedução do antigo namorado e os dois acabam reatando o romance que tiveram na juventude. Vitória Vilar é uma empresária bem sucedida. Após se tornar viúva, ela deixa São Paulo e volta a Bole-bole para consertar um erro do passado e acabar com a rivalidade entre as famílias Vilar e Rosado. Entre idas e vindas, mentiras e revelações, Vitória e Zico chegam a pensar em ficar juntos. Mas a picuinha entre o Rosado e Zélia (Leandra Leal), filha mais velha de Vitória, persiste e separa, temporariamente, os amantes. Mulher firme, acostumada a mandar, Vitória também não suporta as armações e falcatruas do ex-prefeito, apesar de amá-lo.

Ao final da trama, Vitória revela que fugiu de Bole-Bole há 30 anos, quando ficou grávida de Zico, e que Zélia é filha dele. Depois de perder a confiança dos aliados e da família por causa de suas tramóias, Zico tenta se aproximar de Felipe, filho recém-nascido de Zélia, para fazer dele seu sucessor. Zélia não permite e Zico sequestra o neto, levando-o para a fazenda para criá-lo como um Rosado. Vitória intercede, salva Felipe, mas fica com Zico. Em uma alusão à derrocada da mentira, do preconceito e do próprio mal, a tradicional sede da fazenda, que teve as estruturas corroídas pelas formigas que saem do nariz de Zico Rosado, desaba, soterrando o casal de amantes. Eles se beijam e somem em meio aos escombros.

Lobisomem e a Prostituta
Loquaz, culto e incorruptível, professor Aristóbulo, o orador oficial de Saramandaia, sofre de insônia há mais de 10 anos. Sétimo filho depois de seis irmãs, ele se transforma em lobisomem nas noites de quinta para sexta-feira. Envergonhado, esconde sua condição, mas atrai a curiosidade de Risoleta (Debora Bloch), a dona da pensão. Depois de vê-lo se transformar em lobo, ela se apaixona e o amor entre os dois acaba curando a interminável falta de sono do professor. A mãe dele, Dona Pupu (Aracy Balanian) e o pai Belisário, que tem apenas a cabeça, mas se manifesta por meio de sorrisos e olhares, apoiam o romance. A personagem Risoleta guarda um segredo. Ela foi casada com José Mário, filho de Zico Rosado (José Mayer), e é mãe de Stela (Laura Neiva). Na época em que ela ficou grávida, Zico não aceitou a união dos dois, porque Risoleta era uma prostituta. Ele manda eliminar a nora, mas o capanga Firmino (Val Perre), erra o alvo e mata Zé Mário por engano. Anos depois, os fatos do passado são esclarecidos. Risoleta e Aristóbulo se casam na igreja com a benção de Stela. 

Dona Redonda e Seu Encolheu
Com mais de 250 quilos, Bole-Bole treme com os pesados passos de Evangelina, mais conhecida como Dona Redonda (Vera Holtz). Exagerada e escandalosa, Redonda mostra seu lado amoroso quando está acompanhada do marido Seu Encolheu (Matheus Nachtergaele). Os dois trocam carícias e se chamam por apelidos na frente de todos. Franzino, Encolheu tem que ficar na ponta dos pés para beijar sua amada. Eles são pais de Bia (Thaís Melchior), que é saramandista – para desgosto dos dois –, criadora do blog do movimento e namora Pedro Vilar (André Bankoff). Com as amigas Maria Aparadeira (Ana Beatriz Nogueira) e Fifi (Georgeana Góes) forma o trio de fuxiqueiras da cidade. Falam mal da vida alheia e têm João Gibão (Sérgio Guizé) como o principal inimigo. A implicância piora quando Gibão tem visões com Dona Redonda e pede para ela cuidar da saúde e comer menos. Depois disso, Dona Redonda passa a caçoar da corcunda do rapaz. Seu Encolheu é chefe de gabinete da prefeitura e consultor meteorológico da cidade. Prevê o tempo de acordo com a dor que sente nos ossos.  Ataca João Gibão quando o rapaz pede para Dona Redonda emagrecer. Seu Encolheu não admite que ninguém comente a gordura da mulher. Fica desolado quando Dona Redonda explode depois de um acesso de comilança. A tristeza acaba quando Bitela (Vera Holtz), irmã gêmea de Redonda, chega à cidade, os dois se apaixonam e acabam juntos.

Curiosidades

O primeiro capítulo da versão de Saramandaia (24/06/2013) trouxe uma passeata de jovens que reivindicavam mudanças e se posicionavam contra a corrupção. Um detalhe curioso: o capítulo foi escrito e gravado meses antes das manifestações de rua contra o aumento das passagens de ônibus, em junho. Em entrevista, Ricardo Linhares conta que não foi coincidência. Ele se inspirou nos movimentos jovens internacionais, como  Ocupe Wall Street e Primavera Árabe, para escrever os capítulos referentes ao assunto. O autor falou que desconfiava que essa onda de protestos chegaria ao Brasil e se disse feliz por ter conseguido fazer com que a novela mostrasse a insatisfação popular.

A trama não ignorou a tecnologia. Os habitantes da cidade eram vistos com computadores, tablets, câmeras e smartphones nas mãos e, algumas vezes, conversavam por meio desses aparelhos. Tanto os saramandenses quanto os bolebolenses tinham blogs que eram atualizados pelos personagens e citados na novela. Os jovens saramandenses faziam vídeos sobre seu dia a dia de luta contra a corrupção e eles eram postados no blog.

Saramandaia foi o primeiro trabalho de Laura Neiva (Stela), Fernando Belo (Lua Viana) e Camila Lucciola (Rosalice) na TV. Laura Neiva já havia contracenado com Debora Bloch no cinema. Por coincidência, Debora também era sua mãe no filme À Deriva (2009), de Heitor Dhalia. Em 2012, Sérgio Guizé, que viveu João Gibão, participou do seriado Tapas e Beijos como o travesti Lorraine.

A atriz Renata Sorrah, que interpretou Leocádia, mãe de João Gibão, superou sua ornitofobia (medo de pássaros) durante as gravações de Saramandaia. Ela contracenou com o gavião Atenas, que, na trama, era amigo de João Gibão.

Além do gavião Atena, Saramandaia tinha outro animal-ator: a cadela chihuahua Chloe, que interpretou Pingo, “filho” de Redonda (Vera Holtz) e Encolheu (Matheus Nachtergaele). Pena que Pingo teve um fim trágico: ele morre na explosão de Redonda.

Elenco:
Sérgio Guizé – João Gibão
Chandelly Braz – Marcina
José Mayer – Zico Rosado
Lilia Cabral – Vitória Vilar
Gabriel Braga Nunes – Professor Aristóbulo
Débora Bloch – Risoleta
Leandra Leal – Zélia Vilar
Fernando Belo – Lua Viana
Vera Holtz – Dona Redonda / Dona Bitela
Matheus Nachtergaele – Seu Encolheu
Ana Beatriz Nogueira – Maria Aparadeira
Marcos Palmeira – Seu Cazuza
Renata Sorrah – Leocádia
Fernanda Montenegro – Dona Candinha
Tarcísio Meira – Tibério Vilar
Aracy Balabanian – Dona Pupu
Marcos Paquim – Carlito Prata
Lívia de Bueno – Laura Rosado
Ângela Figueiredo – Helena Rosado
André Bankoff – Pedro Viana
Laura Neiva – Stela Rosado
Thaís Melchior – Bia
Pedro Tergolina – Tiago
Ilva Niño – Cleide
André Frateschi – Dr. Rochinha
Clementino Kelé – Miro
Luiz Henrique Nogueira – Belisário
Georgiana Góes – Dona Fifi
Maurício Tizumba – Padre Romeu
Theodoro Cochrane – Delegado Petronílio
Zéu Britto – Maestro Totó
André Abujamra – Maestro Cursino
Val Perré – Firmino
Dja Martins – Das Dores


 Abertura

Explosão Dona Redonda

Transformação Lobisomem

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