Inspirada
na obra original de Dias Gomes, a novela de Ricardo
Linhares traz de volta o realismo fantástico à teledramaturgia. Com
apenas 57 capítulos e exibida no horário das 23h, a releitura apresenta os
principais personagens exóticos que marcaram a versão de 1976, além de novas
histórias e cidadãos de Bole-Bole, a fictícia cidade onde a trama se desenrola.
Em 2013, o enredo foi usado para criticar a intolerância e o desrespeito à
diversidade, enquanto na década de 1970 o alvo principal era a ditadura
militar. Os personagens perderam o sotaque regional da primeira novela, mas
mantiveram uma maneira distinta de falar. Homenageando outras obras de Dias
Gomes, como O Bem Amado, os diálogos foram recheados de neologismos
divertidos, como “conversório” ou “problemática”.
A
trama começa com os cidadãos de Bole-Bole divididos em função de um plebiscito
que pode trocar o nome da cidade para Saramandaia. Os tradicionais não querem o
“mudancismo” e a juventude se diz “saramandista”. Por trás dessa briga há uma
antiga disputa política e econômica entre duas famílias rivais, os Vilar e os
Rosado. A votação foi proposta pelo vereador João Gibão (Sérgio Guizé) após um
sonho onde a troca do nome seria o primeiro passo para modificações profundas
na cidade. Gibão, um rapaz íntegro e honesto, sofre preconceito por ser
diferente: ele tem uma corcunda e visões premonitórias. Logo no primeiro
capítulo, o telespectador descobre que a protuberância em suas costas é um par
de asas. Gibão nasceu assim e sua mãe Leocádia (Renata
Sorrah) é a única que sabe de seu segredo. O homem que pode voar, teme
revelar ser diferente e acaba cerceando sua própria liberdade. Ele nunca tira o
gibão que esconde suas asas por medo de não ser aceito como realmente é.
O
representante da tradição bolebolense é o ex-prefeito Zico Rosado (José Meyer).
Zico é descendente dos fundadores de Bole-Bole e manter o nome da cidade é uma
questão pessoal e comercial. O fazendeiro é dono de canaviais, de usina de
açúcar e álcool e produz a cachaça Saramandaia. Ele não admite perder sua
influência política para uma nova geração. Mesmo cometendo crimes para que sua
vontade prevaleça, o ex-prefeito tem também um lado pitoresco: formigas saem do
seu nariz quando ele fica nervoso. Com
a proximidade do plebiscito, os ânimos se exaltam e as discussões são
constantes. A novela começa com uma passeata de saramandistas se formando no
centro da cidade. Jovens com caras pintadas marcam pela internet um movimento para
ocupar o coreto da praça. É a Primavera Saramandense!
Em
meio à confusão, o bolebolense Seu Cazuza (Marcos
Palmeira), dono da farmácia, se envolve em um bate-boca na pensão de Dona
Risoleta (Debora
Bloch) e põe, literalmente, o coração pela boca. Quando tenta engolir, o
órgão vai parar do lado errado do peito e Seu Cazuza não resiste. Zico
Rosado aproveita a passagem do cortejo, faz um discurso culpando os
saramandistas pela morte de Seu Cazuza e começa a confusão. Enquanto isso, o
caixão cai no chão e Seu Cazuza ressucita. É nesse momento que Vitória Vilar (Lilia
Cabral) e seu filho mais novo Tiago (Pedro Tergolino) chegam à
cidade. Zico e Vitória, que são de família rivais, tiveram um romance na
juventude e se reencontram 30 anos depois.
De
Bole-Bole a Saramandaia
O
plebiscito proposto por João Gibão (Sérgio Guizé) atiça os ânimos da população
e divide opiniões. Depois de passeatas e manifestações a favor da mudança do
nome de Bole-Bole para Saramandaia, o líder bolebolense, Zico Rosado (José Mayer)
resolve contra-atacar. Oferece um “mensalinho” para os vereadores votarem a
favor de Bole-Bole, manda dona Redonda (Vera Holtz)
escrever um falso dossiê contra João Gibão e ordena botar uma bomba no Centro
Cívico Bolebolense para jogar a culpa nos saramandistas. Mas nada dá certo.
Um
dos planos mais ousados foi ideia de seu afilhado, o trambiqueiro Carlito Prata
(Marcos Pasquim). Ele põe um sistema de áudio escondido nas flores que rodeiam
a imagem de Santo Dias – uma homenagem à Dias Gomes - e esconde gotas do
próprio sangue na estátua. Numa missa de domingo, Carlito coloca o plano em
prática. Simula a imagem do padroeiro da cidade falando Bole-Bole e derramando
lágrimas de sangue. Mas a armação não vai muito longe. Um exame de DNA na
“lágrima milagrosa” mostra que Carlito estava por trás da encenação.
No
dia do plebiscito, Seu Encolheu (Matheus
Nachtergaele) fica responsável pelas informações sobre a apuração.
Bole-Bole sai na frente, mas Saramandaia vira o jogo e ganha a eleição. A
juventude saramandense comemora. O novo nome inaugura um momento de paz e
compreensão na cidade. João Gibão assume suas asas, a rivalidade entre as
famílias Rosado e Vilar acaba, Aparadeira (Ana Beatriz Nogueira), que destilava
todo seu veneno contra Gibão por não ser como os outros, volta a falar com sua
família circense (sua mãe é a Mulher Barbada; o pai, o Anão Malabarista e o
irmão, o Trapezista Fortão) e dois lindos bebês alados nascem na cidade. Viva a
diferença!
Tramas
Paralelas
Zico
e Vitória
O
ódio e o rancor de Zico (José Mayer)
se desmancham ao primeiro encontro com Vitória (Lilia
Cabral). Ela, que transpira muito e parece se derreter quando chega perto
de Rosado, não resiste à sedução do antigo namorado e os dois acabam reatando o
romance que tiveram na juventude. Vitória Vilar é uma empresária bem sucedida.
Após se tornar viúva, ela deixa São Paulo e volta a Bole-bole para consertar um
erro do passado e acabar com a rivalidade entre as famílias Vilar e Rosado.
Entre idas e vindas, mentiras e revelações, Vitória e Zico chegam a pensar em
ficar juntos. Mas a picuinha entre o Rosado e Zélia (Leandra Leal), filha mais
velha de Vitória, persiste e separa, temporariamente, os amantes. Mulher firme,
acostumada a mandar, Vitória também não suporta as armações e falcatruas do
ex-prefeito, apesar de amá-lo.
Ao
final da trama, Vitória revela que fugiu de Bole-Bole há 30 anos, quando ficou
grávida de Zico, e que Zélia é filha dele. Depois de perder a confiança dos
aliados e da família por causa de suas tramóias, Zico tenta se aproximar de
Felipe, filho recém-nascido de Zélia, para fazer dele seu sucessor. Zélia não
permite e Zico sequestra o neto, levando-o para a fazenda para criá-lo como um
Rosado. Vitória intercede, salva Felipe, mas fica com Zico. Em uma alusão à
derrocada da mentira, do preconceito e do próprio mal, a tradicional sede da
fazenda, que teve as estruturas corroídas pelas formigas que saem do nariz de
Zico Rosado, desaba, soterrando o casal de amantes. Eles se beijam e somem em
meio aos escombros.
Lobisomem
e a Prostituta
Loquaz,
culto e incorruptível, professor Aristóbulo, o orador oficial de Saramandaia,
sofre de insônia há mais de 10 anos. Sétimo filho depois de seis irmãs, ele se
transforma em lobisomem nas noites de quinta para sexta-feira. Envergonhado,
esconde sua condição, mas atrai a curiosidade de Risoleta (Debora
Bloch), a dona da pensão. Depois de vê-lo se transformar em lobo, ela se
apaixona e o amor entre os dois acaba curando a interminável falta de sono do
professor. A mãe dele, Dona Pupu (Aracy Balanian) e o pai Belisário, que tem
apenas a cabeça, mas se manifesta por meio de sorrisos e olhares, apoiam o
romance. A personagem Risoleta guarda um segredo. Ela foi casada com José
Mário, filho de Zico Rosado (José Mayer),
e é mãe de Stela (Laura Neiva). Na época em que ela ficou grávida, Zico não
aceitou a união dos dois, porque Risoleta era uma prostituta. Ele manda
eliminar a nora, mas o capanga Firmino (Val Perre), erra o alvo e mata Zé Mário
por engano. Anos depois, os fatos do passado são esclarecidos. Risoleta e
Aristóbulo se casam na igreja com a benção de Stela.
Dona
Redonda e Seu Encolheu
Com
mais de 250 quilos, Bole-Bole treme com os pesados passos de Evangelina, mais
conhecida como Dona Redonda (Vera Holtz).
Exagerada e escandalosa, Redonda mostra seu lado amoroso quando está
acompanhada do marido Seu Encolheu (Matheus
Nachtergaele). Os dois trocam carícias e se chamam por apelidos na frente
de todos. Franzino, Encolheu tem que ficar na ponta dos pés para beijar sua
amada. Eles são pais de Bia (Thaís Melchior), que é saramandista – para
desgosto dos dois –, criadora do blog do movimento e namora Pedro Vilar (André
Bankoff). Com as amigas Maria Aparadeira (Ana Beatriz Nogueira) e Fifi
(Georgeana Góes) forma o trio de fuxiqueiras da cidade. Falam mal da vida
alheia e têm João Gibão (Sérgio Guizé) como o principal inimigo. A implicância
piora quando Gibão tem visões com Dona Redonda e pede para ela cuidar da saúde
e comer menos. Depois disso, Dona Redonda passa a caçoar da corcunda do rapaz. Seu
Encolheu é chefe de gabinete da prefeitura e consultor meteorológico da cidade.
Prevê o tempo de acordo com a dor que sente nos ossos. Ataca João Gibão
quando o rapaz pede para Dona Redonda emagrecer. Seu Encolheu não admite que
ninguém comente a gordura da mulher. Fica desolado quando Dona Redonda explode
depois de um acesso de comilança. A tristeza acaba quando Bitela (Vera Holtz),
irmã gêmea de Redonda, chega à cidade, os dois se apaixonam e acabam juntos.
Curiosidades
O
primeiro capítulo da versão de Saramandaia (24/06/2013) trouxe uma
passeata de jovens que reivindicavam mudanças e se posicionavam contra a
corrupção. Um detalhe curioso: o capítulo foi escrito e gravado meses antes das
manifestações de rua contra o aumento das passagens de ônibus, em junho. Em entrevista, Ricardo
Linhares conta que não foi coincidência. Ele se inspirou nos
movimentos jovens internacionais, como Ocupe Wall Street e Primavera
Árabe, para escrever os capítulos referentes ao assunto. O autor falou que
desconfiava que essa onda de protestos chegaria ao Brasil e se disse feliz por
ter conseguido fazer com que a novela mostrasse a insatisfação popular.
A
trama não ignorou a tecnologia. Os habitantes da cidade eram vistos com
computadores, tablets, câmeras e smartphones nas mãos e, algumas
vezes, conversavam por meio desses aparelhos. Tanto os saramandenses quanto os
bolebolenses tinham blogs que eram atualizados pelos personagens e citados na
novela. Os jovens saramandenses faziam vídeos sobre seu dia a dia de luta
contra a corrupção e eles eram postados no blog.
Saramandaia foi
o primeiro trabalho de Laura Neiva (Stela), Fernando Belo (Lua Viana) e Camila
Lucciola (Rosalice) na TV. Laura Neiva já havia contracenado com Debora
Bloch no cinema. Por coincidência, Debora também era sua mãe no filme À
Deriva (2009), de Heitor Dhalia. Em 2012, Sérgio Guizé, que viveu João
Gibão, participou do seriado Tapas
e Beijos como o travesti Lorraine.
A
atriz Renata
Sorrah, que interpretou Leocádia, mãe de João Gibão, superou sua
ornitofobia (medo de pássaros) durante as gravações de Saramandaia. Ela
contracenou com o gavião Atenas, que, na trama, era amigo de João Gibão.
Além
do gavião Atena, Saramandaia tinha outro animal-ator: a cadela chihuahua Chloe,
que interpretou Pingo, “filho” de Redonda (Vera Holtz)
e Encolheu (Matheus
Nachtergaele). Pena que Pingo teve um fim trágico: ele morre na explosão de
Redonda.
Elenco:
Sérgio Guizé – João Gibão
Chandelly Braz – Marcina
José Mayer – Zico Rosado
Lilia Cabral – Vitória Vilar
Gabriel Braga Nunes – Professor Aristóbulo
Débora Bloch – Risoleta
Leandra Leal – Zélia Vilar
Fernando Belo – Lua Viana
Vera Holtz – Dona Redonda / Dona Bitela
Matheus Nachtergaele – Seu Encolheu
Ana Beatriz Nogueira – Maria Aparadeira
Marcos Palmeira – Seu Cazuza
Renata Sorrah – Leocádia
Fernanda Montenegro – Dona Candinha
Tarcísio Meira – Tibério Vilar
Aracy Balabanian – Dona Pupu
Marcos Paquim – Carlito Prata
Lívia de Bueno – Laura Rosado
Ângela Figueiredo – Helena Rosado
André Bankoff – Pedro Viana
Laura Neiva – Stela Rosado
Thaís Melchior – Bia
Pedro Tergolina – Tiago
Ilva Niño – Cleide
André Frateschi – Dr. Rochinha
Clementino Kelé – Miro
Luiz Henrique Nogueira – Belisário
Georgiana Góes – Dona Fifi
Maurício Tizumba – Padre Romeu
Theodoro Cochrane – Delegado Petronílio
Zéu Britto – Maestro Totó
André Abujamra – Maestro Cursino
Val Perré – Firmino
Dja Martins – Das Dores
Abertura
Explosão Dona Redonda
Transformação Lobisomem
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